Geni e o Zepelim - Letícia Sabatella (Chico Buarque)

Letícia Sabatella interpreta com maestria “Geni e o Zepelim“de Chico Buarque no espetáculo Alma Boa De Lugar Nenhum de Carlos Careqa. Porto Alegre, 2011. Geni e o Zepelim De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada. O seu corpo é dos errantes, Dos cegos, dos retirantes; É de quem não tem mais nada. Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina, Atrás do tanque, no mato. É a rainha dos detentos, Das loucas, dos lazarentos, Dos moleques do internato. E também vai amiúde Co’os os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir. Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir: “Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!“ Um dia surgiu, brilhante Entre as nuvens, flutuante, Um enorme zepelim. Pairou sobre os edifícios, Abriu dois mil orifícios Com dois mil canhões assim. A cidade apavorada Se quedou paralisada Pronta pra virar geleia, Mas do zepelim gigante Desceu o seu comandante Dizendo: “Mudei de ideia! Quando vi nesta cidade Tanto horror e iniquidade, Resolvi tudo explodir, Mas posso evitar o drama Se aquela formosa dama Esta noite me servir“. Essa dama era Geni! Mas não pode ser Geni! Ela é feita pra apanhar; Ela é boa de cuspir; Ela dá pra qualquer um; Maldita Geni! Mas de fato, logo ela, Tão coitada e tão singela Cativara o forasteiro. O guerreiro tão vistoso, Tão temido e poderoso Era dela, prisioneiro. Acontece que a donzela (E isso era segredo dela), Também tinha seus caprichos E ao deitar com homem tão nobre, Tão cheirando a brilho e a cobre, Preferia amar com os bichos. Ao ouvir tal heresia A cidade em romaria Foi beijar a sua mão: O prefeito de joelhos, O bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com um milhão. Vai com ele, vai Geni! Vai com ele, vai Geni! Você pode nos salvar! Você vai nos redimir! Você dá pra qualquer um! Bendita Geni! Foram tantos os pedidos, Tão sinceros, tão sentidos, Que ela dominou seu asco. Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante Como quem dá-se ao carrasco. Ele fez tanta sujeira, Lambuzou-se a noite inteira Até ficar saciado E nem bem amanhecia Partiu numa nuvem fria Com seu zepelim prateado. Num suspiro aliviado Ela se virou de lado E tentou até sorrir, Mas logo raiou o dia E a cidade em cantoria Não deixou ela dormir: “Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!
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