Cruz e Sousa - O Poeta do Desterro (1998)

Certa noite soturna, solitária, Vi uns olhos estranhos que surgiam Do fundo horror da terra funerária Onde as visões sonâmbulas dormiam... Nunca da terra neste leito raso Com meus olhos mortais, alucinados... Nunca tais olhos divisei acaso Outros olhos eu vi transfigurados. A luz que os revestia e alimentava Tinha o fulgor das ardentias vagas, Um demônio noctâmbulo espiava De dentro deles como de ígneas plagas. E os olhos caminhavam pela treva Maravilhosos e fosforescentes... Enquanto eu ia como um ser que leva Pesadelos fantásticos, trementes. Na treva só os olhos, muito abertos, Seguiam para mim com majestade, Um sentimento de cruéis desertos Me apunhalava com atrocidade. Só os olhos eu via, só os olhos Nas cavernas da treva destacando: Faróis de augúrio nos ferais escolhos, Sempre, tenazes, para mim olhando... Sempre tenazes para mim, tenazes, Sem pavor e sem medo, resolutos, Olhos de tigres e chacais vorazes No instante dos assaltos mais astutos. Só os olhos eu via! - o corpo todo Se confundia com o negror em volta... Ó alucinações fundas do lodo Carnal, surgindo em tenebrosa escolta! E os olhos me seguiam sem descanso, Suma perseguição de atras voragens, Nos narcotismos dos venenos mansos, Como dois mudos e sinistros pajens. E nessa noite, em todo meu percurso, Nas voltas vagas, vãs e vacilantes Do meu caminho, esses dois olhos de urso Lá estavam tenazes e constantes. Lá estavam eles, fixamente eles, Quietos, tranqüilos, calmos e medonhos... Ah! quem jamais penetrará naqueles Olhos estranhos dos eternos sonhos! ©CRUZ E SOUZA In Faróis, 1900
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